A garota estava lá dentro! Não parou de pensar nela desde que a viu. Terminara o alimento e, ansioso, imaginava como faria para vê-la novamente. Neste ínterim, o pai dela voltou e, mais simpático, iniciou uma conversa.
- Você está nesse deserto pela primeira vez, não é?
- Sim, dá para notar? – o rapaz indagou.
- Sim. Percebe-se que você está só de passagem. Todos os dias vejo pessoas que vivem nessa aridez. Seu olhar é mais profundo, já sabem de alguns perigos que encontrarão pela frente. Você, por sua vez, olha o deserto como uma grande diversão. Com o tempo, vai perceber que ele é mais do que isso... – disse sem concluir a frase, olhando o lindo pôr do Sol.
O rapaz também olhou para lá: o Sol já podia ser vislumbrado com uma cor diferente no horizonte –“espalhamento dos tons azulados e maior incidência dos tons alaranjados” – pensou lembrando das aulas de Física – a noite não tardaria em vir.
De repente um barulho na estrada: uma moto passou pela estrada em alta velocidade. O rapaz sentiu seu coração vibrar. Desde que entrou no deserto, essa era a primeira moto que via. Sentiu um ímpeto de continuar a viagem, mas antes que expressar algo, o pai da garota falou:
- Esse aí deve conhecer muito a região, caso contrário, amanhã teremos notícias...
- Como? – indagou o rapaz preocupado.
- Ninguém atravessa essa parte do deserto à noite sem ter plena certeza de que sua máquina não irá falhar e além disso, é necessário uma boa dose de loucura para fazer isso, pois não se sabe o que irá encontrar pelo caminho.
O rapaz ficara calado e somente escutava. O senhor Júlio – esse era o nome dele – aproveitou o silêncio e lhe informou:
- Existe uma espécie de ratos muito perigosa nessa região. Eles saem à noite para se alimentar. Imagine então um bicho que há milênios vive sem ver o Sol e no frio. Eles tornaram-se muito sensíveis à luz e ao calor, ou seja, acham-nos com muita facilidade, ou seja, ninguém pode parar à noite pois corre o risco de ser atacado. Sei o que você vai me dizer: Atacado por ratos? Sim, este tipo de rato não conhece predadores, eles o são! As aves de rapina somente caçam de dia. Aqueles ratos lá – e apontava para o meio do deserto – atacam qualquer coisa que tenha calor no corpo. Várias histórias de turistas que nunca mais voltaram são contadas a nós.
O olhar impressionado do rapaz deixou o senhor satisfeito. Ele gostava quando alguém lhe dava atenção e o levava a sério.
- O que eu faço então? – perguntou o rapaz.
- Para lá você não deve ir! – afirmou o senhor.
- Devo voltar?
E sem nem saber o porquê, o senhor olhou-o nos olhos e disse:
- Durma aqui essa noite. Amanhã você segue viagem.
Dormir ali, sob o mesmo teto que a garota. O rapaz chegava a pensar que ela sequer existia, uma vez que era mais viva em seus pensamentos do que na realidade empoeirada em que se encontravam – os olhos dele brilhavam – teria a chance de falar-lhe.
- Normalmente eu não faço isso! – disse o senhor Júlio – mas confio em você. Apronte suas coisas e tome um banho. Arrumarei esse quarto ao lado da casa. Lá não tem banheiro, mas sei que você se vira. Deixarei um lanche pronto e cobertores também. Boa noite! – disse entrando sem olhar para trás.
O rapaz arrumou tudo dentro do quarto, guardou a moto e tomou banho. Deitou-se na cama dura e um pouco mofada. Mesmo assim, sentiu-se extremamente confortável e feliz. A arrumação do quarto dava a impressão de ter um toque feminino. Ele ia cobrir-se quando lembrou de ter esquecido seu estojo no banheiro. Lá está meu dinheiro! – pensou. Deu um pulo da cama e voltou rapidamente para pegá-lo. Ao abrir a porta ele a viu. Novamente seus olhares se encontraram. A sensação de que tudo em volta se apagava, o bater descompassado do coração, o querer saber quem era ela, tudo e muito mais veio-lhe como um turbilhão.
- Meu nome é... – ele tentou falar.
A garota do deserto entrara rapidamente no banheiro, mas não deixou de lhe endereçar um olhar inesquecível, que o aqueceu e lhe deu a certeza da correspondência de sentimentos.
O silêncio do outro lado da porta denotava que ela não sabia o que fazer – e esperava. Mas ele, reuniu forças para não chamá-la. Ficou quieto, parecia ouvi-la respirando. Pensou em bater de leve na porta, mas não o fez. Saiu em silêncio, entrou em seu quarto e, ainda que o cansaço lhe constrangesse ao sono, só conseguiu dormir várias horas depois.
Ele vai ao banheiro e esquece algo. Quando volta para pegar ele a encontra e seus olhares se cruzam e eles ficam assim um tempo. Ela saiu rápido e entra no banheiro. Ele ouve a água caindo no chão e ouve o seu escoar. Seus sonhos escoavam
Eu estou olhando para você e enxergo não um viajante. Você está viajante, mas não é um viajante. Sinto que você deixou algo para trás e está querendo resolver algo em você. Bom, o velho vê viajantes todos os dias, deve saber quais são e quais não são viajantes profissonais.
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