quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

A fila do cinema

Era sábado à noite. Iríamos assistir a um filme e depois...sei lá! Chegáramos cedo e por isso éramos os primeiros da fila. Uma senhora simpática ficava na roleta, ainda bloqueada.
- Este filme é muito triste! – disse-nos a senhora, sem que perguntássemos
Sorrimos e ela emendou:
- Outro dia veio aqui um rapaz e perguntou se havia sexo no filme. Sabem o que eu disse? Tem sexo sim rapaz! Tem os dois sexos no filme: homens e mulheres!
Rimos – surpresos.
- Pelo que eu sei este aqui é um cinema de arte, se ele queria sexo deveria ter ido lá para baixo! – referindo-se à Rua Augusta.

A fila era grande. Um problema com o projetor no meio da sessão anterior atrasara as próximas em pelo menos 30 minutos. Surpresa, ninguém na fila reclamava, pois estavam ligados no que ela falava.

Outro dia um senhor me disse que eu era engraçada, que eu tinha graça. Respondi que só uma santa que “é cheia de graça” e que ele procurasse outra santa, pois essa já tinha dono! Atrevido, veio me cantar aqui na fila! Meu marido já morreu mas o meu coração ainda está com ele – disse meio risonha e meio triste.
- Por isso nem adianta tentar viu moço! – disse-me com um gracejo.

O pessoal da fila riu do seu jeito espontâneo.

- Você trabalha moço? – perguntou-me mais séria.
- Estou estudando, gostaria de ser professor – respondi.
- Ah não! Eu tive cada professor chato! Abandonei meus estudos na 8º série. Sou ignorante da maioria dos assuntos que minhas filhas estudam. Meus professores não gostavam do que faziam, eu percebia.
- Menino! Não estudar fez tanta falta! Não pude escolher muita coisa... – disse com olhar meio perdido.
- Eu não trabalhava no que gostava, vivia triste e reclamava muito. Mas um dia, sabe o que aconteceu? Lembrei-me do meu professor de literatura: ...”Capitu e seus olhos oblíquos e dissimulados”... – esta frase ele repetia sempre enquanto pedia para olharmos em seus olhos. Ele nos fazia sonhar com os textos! E como os alunos participavam! Eu sempre corria à biblioteca para pegar o livro que ele indicava.

Mas o que tem meu professor de literatura com a minha vida? É que eu percebi que amava ler e que poderia ser uma “leitora de vidas”. Sim, eu fico aqui na fila e leio quem vocês são. Percebo bem algumas histórias e outras nem tanto. Os casais! Ah! estes mostram sua história logo que chegam. Dá para perceber quem ama, quem tem pequeno interesse e qual dos dois gosta mais.
Tem uns namorados por ai que dão beijinhos olhando com o canto do olho para os bumbuns das outras. Homem é fogo! Mas mulher é pior! Teve uma aí que estava na sala com o namorado e saiu para comprar pipoca. Ficou aqui fora uns 10 minutos tascando um beijo em um carinha. Mas não era qualquer beijo não! Fiquei imaginando o coitado lá dentro esperando e começando a atrapalhar quem estava atrás dele. É, cresce “aquilo na cabeça” e atrapalha a visão de quem está atrás – disse meio risonha, mas decepcionada.

Sabe, não sou psicóloga, mas faço minhas análises. Percebi que a sensibilidade da literatura pode e deve ser trazida para o real e que isso fez do meu trabalho um prazer imenso.
Sou muito simples sabe? Meu português nem é muito correto, mas com o tempo percebi que gosto de contar histórias e que o que elas trazem e mais importante do como são escritas. Graças a Deus, as pessoas gostam de me ouvir e acreditam em mim. O senhor acreditou, não foi moço?
- Assenti com a cabeça e sorri sensibilizado.
Ela retribuiu o sorriso e pediu meu ingresso, pois a sala estava liberada para entrada.
- Até mais e seja um bom professor!

Terminado o filme as pessoas saiam e procuravam com os olhos aquela senhora simpática. Despediam-se dela e não comentavam o filme, mas sim a fila. O nosso grupo foi a uma pizzaria perto dali. Ninguém comentou a sessão. O papo girou em torno do que ela nos falou. O garçom da pizzaria a conhecia, já ouvira outras pessoas comentando sobre ela.

Naquela noite ela disse-nos mais, muito mais... Foram as palavras, seu olhar, seus gestos...
Transcrever tudo isso considero impossível. Convido-os a imaginarem uma pessoa comum e que realizava uma atividade muito simples. Mas fazia isso com tal magia que ainda se faz lembrada após vinte anos. E fica a gratidão por tê-la conhecido.

Um comentário:

Anônimo disse...

Nossa, eu também quero conhecer esta senhora Victor. É engraçado como algumas pessoas passam em nossas vidas e sem querer merecem até mesmo um post no nosso blog; que nada mais é do que páginas de nossa história.
Beijos Carol