segunda-feira, 11 de junho de 2007

Um

Depois de tanta poeira ele sentiu uma alegria imensa ao avistar o que parecia ser um bar na beira da estrada. Há pelo menos três horas não via ninguém a não ser areia formando montanhas e vales. A região era praticamente um deserto, o ar seco que lhe penetrava as narinas e o calor sufocante tornava a viagem mais difícil, porém, viajar sozinho em cima de uma moto foi o que ele sempre quis e a sua alegria era tamanha que tornava qualquer contratempo pequeno diante da aventura.

Encostou a moto perto de uma parede, deixando tudo ali, somente pegando as chaves e a carteira. Estava faminto e com muita sede. Reparou na casa velha, com paredes que deixavam tijolos à mostra, e suas portas e janelas grossas. Ao redor dela havia árvores, algumas plantas mal cuidadas e a poeira sempre presente.

Entrou e sentou. Um velho com cara de poucos amigos lhe cumprimentou e depois virou para o lado para contemplar o entardecer. O Sol tinha uma tonalidade especial nesta hora do dia e era possível mirá-lo sem ser ofuscado por seus raios. A ausência de nuvens tornava o colorido ainda mais marcante. Este era o mesmo Sol de seu bairro - o rapaz pensava. Desde muito pequeno que ele adorava contemplar a vinda da noite e o espetáculo de cores trazido pela descida do Sol no horizonte.

Mas, por que aquele mesmo Sol de sua infância lhe parecia agora inteiramente novo? A resposta a esta pergunta era fácil: não foi o Sol que veio diferente neste dia, mas sim ele mesmo, um rapaz de pouco mais de vinte anos e que pela primeira vez na vida fazia a vontade de seu coração é que estava diferente. Ele saira para viajar sem destino e sem data de volta, era todo emoção. E não somente a visão do Sol parecia-lhe diferente, mas também tudo o que via e experimentava. O rapaz era feliz e parecia fazer os outros felizes com a sua presença. Percebia que muitas pessoas vinham falar-lhe, tratavam-no de maneira muito mais respeitosa do que convinha à sua idade. Neste momento mesmo percebeu que o velho lhe sorria e começou a falar-lhe nestes termos:
- Como é bom ser jovem e deixar que a juventude nos guie! Eu mesmo já viajei muito e vi muita coisa. Depois sosseguei e voltei para o meu lar, mas voltei com a experiência da realização de meu sonho. O meu olhar era outro, ganhou um brilho profundo, forte e meu coração havia se tornado mais sábio. Vejo que você está vivendo isso agora e me alegro. – disse isso e fitou o rapaz demoradamente, desviando seu olhar novamente para o pôr do Sol. Depois de alguns instantes despediu-se e saiu.
O rapaz sabia que o velho tinha razão sobre deixar a juventude nos guiar e tentou pensar mais alguma coisa a este respeito, mas sua atenção foi desviada: uma moça com uma voz simpática e um olhar atento saiu do interior da casa e veio ao seu encontro, cumprimentando-lhe.

Muito tímida, sequer olhou em seus olhos e perguntou o que desejava enquanto limpava a mesa.

O rapaz sentiu uma onda de calor invadir-lhe o corpo e não conseguiu desviar seus olhos da garota um momento sequer. Com a voz meio presa pediu comida e algo para beber. Chegou a pensar se seu olhar era atrevido.

Ela terminou de limpar a mesa. Levantou a cabeça e seu olhar encontrou o dele – ela enrubesceu. Seus olhos castanhos fixaram-se nos do rapaz, isso durou pouco mais de um segundo. Um barulho indesejado dentro da casa desviou a atenção dos dois e ela voltou rapidamente, desaparecendo porta adentro.

Toda a graça do pôr do Sol havia se perdido ante o reflexo dos olhos daquela moça. Disso ele tinha certeza...

Um comentário:

Anônimo disse...

"Toda a graça do pôr do Sol havia se perdido ante o reflexo dos olhos daquela moça. Disso ele tinha certeza..."

Quantas cores foram possíveis de se olhar...

Lindo começo...

Beijos, Victor
Fique com Deus