Eu havia chegado na praça de alimentação de um Shopping. Era hora do almoço e as pessoas aglomeravam-se diante de certos locais que negociavam “carboidratos gordurosos” por alguns reais. Parece que o príncipe Charles não gosta muito desse tipo de alimento, apesar dele ser “real”. Bom, deixa para lá o trocadilho...
O que quero contar é que peguei minha comida chinesa, também gordurosa, sentei-me e, enquanto comia, percebi um rapaz na mesa ao lado rabiscando um papel. Como sempre gostei de ver pessoas fazendo coisas diferentes do que se espera delas em certos locais, pus-me a observar o rapaz, sem que ele percebesse.
Ele parecia escrever em código e o fazia com bastante rapidez. Levantou-se abruptamente e com um gesto rápido, colocou a mochila em seus ombros e ao mesmo tempo enfiou o bilhete dobrado em uma floreira, que ficava pendurada em um dos pilares da praça de alimentação. Devido ao seu gesto rápido e à posição em que se encontrava, só quem estava ao seu lado pode perceber o que ele fez com o bilhete. Saiu muito rapidamente olhando um pouco para os lados.
Claro que aquilo me intrigou e se não fosse o que iria acontecer depois, eu acho que pegaria o bilhete somente por curiosidade.
Ainda não havia terminado a minha refeição quando uma garota sentou-se com a mãe ao meu lado – justamente na mesa que o rapaz havia estado. De mau humor, pediu para que sua mãe fosse comprar sua refeição e esta o fez sem muito reclamar. No momento em que a mãe se afastou um pouco, a garota rapidamente olhou para os lados e, não percebendo ninguém lhe observando, pegou o bilhete que estava pendurado.
Detalhe: ela sabia que ele estava lá, pois somente era possível vê-lo chegando muito perto e olhando por cima da cerca que envolvia as flores.
Enquanto ela lia, seus olhos se umedeceram e as primeiras lágrimas começaram a rolar. Passado algum tempo, soluçava e debruçava na mesa para se esconder dos passantes. Sua mãe percebeu que ela lia algo e voltou depressa, a tempo de impedi-la de ler o outro lado. Agarrou o bilhete da mão da filha, olhou-o rapidamente e enquanto o amassava dizia:
- Outro bilhete em código? Quando isso vai acabar? Não quero você com aquele rapaz! Você não usa mais celular e nem Internet para não poder se comunicar com aquele bandido! Quer que eu não a deixe sair de casa? Quer? – olhava rispidamente para sua filha.
O bilhete foi jogado no chão caindo em um lugar quase inacessível, embaixo do móvel onde estávamos sentados.
Procurei não desviar os olhos de minha comida e nem os ouvidos do que ela dizia, afinal, sou humano e curioso. Notei também o quão rápido elas se afastaram. O meu lado humano também falou mais alto quando deixei cair um talher e ao abaixar-me, estiquei a mão pegando o bilhete. Enfiei-o rapidamente no bolso. – parece que ninguém notou.
Dentro do cinema, e enquanto esperava o filme começar, abri o bilhete novamente. Reli o conteúdo. Ele estava codificado, tratava-se de uma cifra chamada “A cifra do chiqueiro”, onde as letras são substituídas por símbolos.
O primeiro lado do bilhete falava na dor da separação e o quanto ele queria estar ao lado dela. Dizia da impossibilidade dos dois estarem juntos no momento e não vislumbrava essa possibilidade também no futuro. Terminava triste, praticamente dizendo que esse amor era impossível e dando adeus à garota. – esse lado do bilhete ela leu.
Ao ler o outro lado, percebi que o rapaz tomava uma decisão: dizia não ser possível mais se acomodar à situação atual e planejava um encontro para tentarem conversar. Dizia que a amava muito. – este lado ela não leu.
Senti uma dor muito grande pelos dois. É claro que eu não sabia o drama que os envolvia, mas o fato dela não ler sobre o quanto ele a amava e pensar que tudo estava acabado me entristeceu demais. Na tela o casal parecia se entender bem e entrava em alguns apuros algumas vezes, porém o final foi feliz. Não posso fornecer detalhes sobre o filme, pois o conteúdo do outro lado do bilhete não saia da minha cabeça...
O filme terminou e eu pedi licença para continuar na sala para ver o início da próxima sessão. O funcionário permitiu, uma vez que a sala não iria lotar. Esperei um pouco e vi quando alguém se sentou na “terceira cadeira da quarta fila do lado esquerdo da sala”. – conforme pude decifrar.
Levantei-me, caminhei um pouco, e com uma esperança a brilhar em meus olhos entreguei o bilhete ao rapaz dizendo:
- Ela não conseguiu ler este outro lado, sua mãe impediu!
Ele me olhou assustado, agradeceu com a cabeça sem proferir palavra alguma, levantou e correu para a saída.
Fiquei muito feliz por conhecer a “cifra do chiqueiro...